Decorridos 194 anos do grito do Ipiranga, o Brasil é de fato independente?

*Por Lafayette de Azevedo Pondé Filho

Em termos de soberania, sim, o país mantém relações diplomáticas e comerciais com todas as nações, e de nenhuma é dependente – apesar das péssimas companhias com que se houve nos últimos anos, junto às quais, inclusive, passou por submisso e por incontáveis constrangimentos. Seus limites territoriais continuam íntegros, ainda que improvável qualquer tentativa de redução nos dias de hoje.

Externamente, assim, o Brasil é um país independente na acepção da palavra, ou, pelos clichês dos anos 60, tem a sua autodeterminação respeitada.

No âmbito interno, contudo, é que está a questão. Se externamente a independência é inabalável, o povo brasileiro não goza do mesmo status. É dependente de tudo pela pior forma, a do clientelismo, da corrupção desenfreada, e de uma estrutura político-administrativa arcaica, pode-se dizer até perversa, em nada voltada à satisfação das suas necessidades mais elementares.

Começando pelo Executivo, o primeiro passo seria o fim da reeleição, o maior mal que já se fez ao país – leia-se Governo FHC. O primeiro mandato é destinado apenas a turbinar a continuidade, daí o surgimento do tal “Presidencialismo de coalizão”, que nada mais é do que um balcão de negócios com o dinheiro público, imitado pelos Estados e Municípios.

O país era melhor e menos vulnerável a negociatas quando o mandato presencial limitava-se a cinco anos, sem recondução, e inexistia vice-presidente agregados a chapas. Se durante um tempo o VP ere eleito diretamente, e não o opcional indesejado, como hoje, melhor forma era a anterior de todas, em que o vice era o presidente da Câmara dos Deputados – válido para Estados e Municípios, que se descartariam de mais uma inutilidade.

O Legislativo é bizarro. Como o voto não é distrital e a população em grande parte é despolitizada, e conduzida, os eleitos sequer conhecem seus eleitores, nem estes sabem quem são os seus supostos representantes.

Se inexiste educação, inexiste politização!

Ideologicamente nula, a representação partidária tem por única função permitir a eleição de seus afiliados e/ou ensejar negociações de toda sorte. Sequer o Partido Comunista é consistente, embora antes fosse o único a dispor de um conteúdo programático e uniforme – certo ou errado, mas existente. Que seriedade podem transmitir quase 40 partidos, ou melhor, verdadeiras facções? Não seria mais sério aboli-los, dando-se as eleições por nomes inscritos no TER, sem distribuição de fundos partidários?

Se o quadro estrutural é esse, o nível dos candidatos não podia ser diferente, e o hilário programa eleitoral, em cada eleição, é o seu perfeito reflexo. O falecido Deputado Federal Luís Eduardo Magalhães, falecido há quase 20 anos, já dizia a cada legislatura, “está cada vez pior”, continuidade do pensamento do brilhante ex-ministro Oswaldo Aranha, cerca de 90 anos atrás, segundo a qual, já naquela época, “o país era um deserto de homens e de ideias”. Imagine-se hoje!

Paradoxalmente, quando se elegeu deputado federal, anos atrás, o ex-presidente Lula já dizia que na casa legislativa “tinha uns 300 picaretas”!!

Um recorrente questionamento da composição do Legislativo: unicameralismo ou bicameralismo? Será que precisamos mesmo de Senado? Muitos países civilizados não os mantêm. Até o bolivarianismo, para o bem ou para o mal, suprimiu-o na Venezuela. Dir-se-ia que os Estados Unidos comandam o 1º Mundo e tem Senado, porém lá é outra cultura e outro nível de educação política. Na opinião do brilhante e respeitado jurista Dalmo Dallari, “... o desaparecimento do Senado não faria diferença no processo legislativo”.

O Legislativo (federal, estadual e municipal) tem de ser oxigenado, não pode continuar tendo parlamentares por 40 ou 50 anos, e no número existente.

Sem nenhuma serventia, a maioria integrante do dito “baixo clero” haveria de ser reduzida, até para se diminuir o número dos que devem algo à Justiça...

Além da redução do contingente, seria altamente positiva a permissão de apenas uma reeleição contínua, com afastamento por um quadriênio, p. ex., veda a eleição de filhos, esposas, parentes e aderentes para esse interregno. É preciso dar vez a tantos quantos aspirem cargos eletivos de forma bem intencionada, prevalecendo a impugnação de candidaturas por indicação dos Tribunais de Contas e/ou simples denúncia do MP, e não como preconiza a moribunda lei da ficha limpa.

E o Judiciário, como deveria funcionar?

A grande reforma deveria se iniciar pelo Supremo Tribunal Federal, precisamente pela forma de se compô-lo: os ministros não poderiam ser mais de livre escolha do Executivo, mas indicados por um colegiado JF/MPF e talvez a OAB. Se o Judiciário não participa da formação da Mesa do Legislativo nem interfere na inscrição ou na posse de seus candidatos, nem se intromete na composição dos ministérios do Executivo, porque, justo ele, o Judiciário funciona como um apêndice do Executivo? Algumas vezes há independência, mas não é o institucionalmente correto. A trágica sessão do senado presidida pelo dirigente máximo do STF, atentando contra a Constituição no tocante à parte de direitos políticos, dificilmente aconteceria num colegiado sem vínculos.

Ao lado disso a vitalidade teria de dar lugar a mandatos não repetidos, trabalhando os ministros sobre prazo a cumprir. A propósito, por conta de um veto travestido de pedido de vista – a perder de vista -, em agosto último, completaram-se exatos 6 (seis!!!) anos que o STF suspendeu o julgamento dos chamados planos econômicos/poupanças, inobstante incontáveis decisões favoráveis aos poupadores em instâncias inferiores.

O problema restante do Judiciário está mais na Justiça comum, notadamente pelo excesso de recursos e por ter governo e sociedade eleito os Fóruns como o lixão predileto: manda-se tudo para a Justiça, mesmo sabendo-se do proveito zero, a exemplo da enxurrada de processos fiscais, seja pela inexistência física dos reais devedores e/ou pela inexistência de bens, além da persistência de ações que poderiam ser evitadas por imposição da Justiça: quantas e quantas ações de cobrança de taxas condominiais deixariam de existir se o Judiciário se impusesse e fizesse o Legislativo alterar o Código Civil no tocante à ridícula multa de inadimplência? Será que milhares de ações envolvendo telefônicas e cartões de créditos estariam tramitando se multas elevadíssimas não os inibissem de cansar o usuário, induzindo-os a atravancar mais ainda os canais de julgamento?

Não é o aumento do número de juízes, de serventuários, ou de computadores, que darão mais celeridade, mas sim a redução do número de demandas.

Justiça é para tratar de assuntos controversos, e não para satisfazer a facilidade com que se entulham seus cartórios. Se o litígio não envolve real discussão jurídica, mas sim pura cobrança, a exemplo das questões fiscais, que se criem instâncias extrajudiciais, a exemplo da sistemática vigente à época do extinto Banco Nacional da Habitação.

Muito há, portanto, para que o Brasil torne sua população independente dentro do próprio país, cujo colonialismo, extinto enquanto nação, ainda não chegou a sua plenitude aos 200 milhões de brasileiros.