Artigo: “Função exclusiva de procurador exercida por terceiros e improbidade administrativa
Pela excelência do seu conteúdo, a APEB transcreve artigo de Bruno Matias
Lopes, procurador do Estado de Minas Gerais, veiculado no informativo da
APEMINAS, Associação dos Procuradores do Estado de Minas Gerais, na sua edição
de janeiro/março de 2015.
Aqui, na Bahia, a APEB está vigilante, para evitar distorções da espécie, e,
no ano passado, por iniciativa da entidade, a PGE interferiu junto ao Estado,
para impedir que se contratassem assessores que trabalhassem com matéria de
natureza jurídica, portanto de exclusiva competência dos procuradores do Estado,
nos precisos termos da Constituição da Bahia.
ARTIGO
Função exclusiva de procurador exercida por terceiros e improbidade
administrativa
BRUNO MATIAS LOPES
procurador do Estado de Minas Gerais
A divulgação da ementa do julgamento da cautelar na ADI nº 4843, em que o
Plenário suspendeu a eficácia de dispositivos da Lei da Paraíba nº 8.186/2007,
que atribuía a ocupantes de cargos em comissão a competência para exercer
funções próprias dos Procuradores dos Estados, chamou a atenção do meio jurídico
para a prática, pelo Poder Público, de contratação indiscriminada de
representante judicial ou assessor jurídico estranho à carreira da Advocacia
Pública.
Importa destacar, conforme art. 132 da CF, que a representação judicial e a
consultoria jurídica nos Estados e Distrito Federal são exercidas por
Procuradores de Estado organizados em carreira, na qual o ingresso é feito
mediante concurso público.
Esta norma possui eficácia vinculante e cogente para as unidades federadas, ou
seja, as funções nela destacadas só podem ser exercidas por Procuradores de
Estado organizados em carreira e concursados. Representa, também, uma mitigação
a auto-organização das unidades federadas e tem por finalidade garantir a
existência de um setor jurídico tecnicamente forte e preparado para as tarefas
que lhe são atinentes.
Além disso, visa garantir que o exercício dessas funções seja feito com
independência funcional, isenção e imparcialidade, evitando, desta forma a
existência da figura dos apadrinhados políticos, dos pareceres encomendados e
defesas propositalmente deficientes.
O art. 132 da CF, assim, atribui aos Procuradores dos Estados, organizados em
carreira na qual o ingresso é feito mediante concurso, o monopólio das funções
de representação judicial e a consultoria jurídica no âmbito dos Estados e
Distrito Federal.
Nesse contexto, e tendo em vista posição do STF na ADI 4348, questão
interessante é saber sobre a possibilidade de configuração de improbidade
administrativa no ato do administrador de nomeação de pessoas estranhas à
carreira da Advocacia Pública para o exercício destas funções.
Para a caracterização da improbidade administrativa é necessário, inicialmente,
que a conduta praticada esteja descrita na Lei de Improbidade Administrativa
(LIA), Lei nº 8.429/1992, como uma hipótese de improbidade.
Analisando o art. 11 da LIA não há dúvidas, pela subsunção do fato à norma, que
a contratação de pessoas estranhas à carreira da Advocacia Pública para o
exercício das funções de representação judicial e consultoria jurídica nos
Estados, configura ato de improbidade administrativa por parte do administrador.
Isto porque, não bastasse a violação ao artigo 132 da CF já mencionado, há clara
violação à exigência constitucional de concurso público (art. 37, II da CF) e
aos princípios que regem a administração pública, em especial a moralidade
administrativa, a impessoalidade e a legalidade.
O que poderia trazer dificuldade à caracterização da improbidade neste caso é a
exigência da presença do elemento subjetivo, e tendo em vista a posição do STJ
que defende que esta modalidade (art. 11 LIA) só admite a forma dolosa (a culpa
só seria admitida para os atos previstos no art. 10 da LIA), bem como exige a
configuração da má-fé do agente, no sentido de ter que restar provado a
finalidade de ser desonesto, desleal ou ímprobo.
Diversamente entendemos que a forma culposa é suficiente também para a
caracterização da improbidade administrativa no caso aqui tratado. Isto devido a
expressão “patrimônio público” contida no art. 5º da parte geral da LIA, ter
significado diferente e mais amplo que a expressão “erário” contida no art. 10
(abrangendo, além dos bens e interesses de natureza econômica e financeira, os
bens e interesses de natureza moral etc.), bem como por questão de técnica
legislativa, pois o referido art. 5º (que faz expressa referência a ação ou
omissão “dolosa ou culposa”), por estar na parte que trata das disposições
gerais da LIA, seria aplicável a todas as hipóteses de improbidade dispostas nos
artigos 9º, 10 e 11.
Assim, para a configuração da improbidade no caso em tela basta a presença da
culpa, que por falta de cuidado o administrador contrate/nomeie para assessor ou
representação judicial, violando a exigência constitucional de concurso público,
e a moralidade, impessoalidade e legalidade, pessoas estranhas à carreira da
Advocacia Pública.
Lado outro, e sem querer negar a exigência na LIA da presença do elemento
subjetivo para a configuração da improbidade, ainda que se considere
indispensável a presença do dolo como faz o STJ, entendemos, à luz da Teoria
Finalista da Ação, tomada emprestada do Direito Penal, que o dolo integra a
conduta do agente, de sorte que se o agente atua de forma livre e consciente, o
faz porque quer, não havendo que se questionar acerca da sua intenção ou má-fé
no fim almejado.
Dessa forma, a vontade livre e consciente do agente público, caracterizadora do
elemento subjetivo (no caso o dolo), está em praticar a conduta descrita na LIA
como uma hipótese de improbidade. Será a Lei que definirá se determinada conduta
será ou não considerada um ato de improbidade (e não a intenção do agente), o
que ocorre independentemente de demonstração da má-fé.
No caso aqui retratado, o dolo do agente está na vontade livre e consciente de
contratar pessoa estranha à carreira da Advocacia Pública para o exercício das
funções de consultoria jurídica ou representação judicial. Pouco importa a sua
intenção final, bastando para a configuração da improbidade apenas a prova da
prévia ciência do agente relativamente à sua obrigação, o que é feito de forma
objetiva, e aqui pode ser feito até mesmo com a mera alegação do direito, haja
vista que a obrigação desrespeitada pelo agente (exigência de concurso público,
respeito aos princípios da moralidade, impessoalidade e legalidade, e a
exigência de que a representação judicial e a consultoria jurídica nos Estados
sejam exercidas por Procuradores de Estado organizados em carreira) é
decorrência da própria lei (Constituição Federal e LIA), e a ninguém é dado se
escusar do cumprimento de obrigação ou justificar ação ou omissão com base em
suposto desconhecimento da lei (art. 3º da LICC).
Assim, concluímos que, pela subsunção do fato à norma prevista no art. 11 da LIA
e desde que esteja presente o elemento subjetivo (dolo ou culpa), a nomeação ou
contratação de pessoas estranhas à carreira da Advocacia Pública para o
exercício das funções de representação judicial e consultoria jurídica dos
Estados e Distrito Federal configura ato de improbidade administrativa por parte
do administrador.