Entrevista:"Impacto da República na Bahia"
No dia da Proclamação da República, 15 de novembro, a APEB faz uma viagem
histórica e revive as peculiaridades do movimento republicano na Bahia, em
entrevista especial com a vice-presidente da associação, procuradora baiana e
historiadora formada pela UFBA, Cristiane Guimarães.
Confira abaixo!
APEB – Existiu algum movimento republicano no estado?
CSG - Pouco se produziu sobre a historiografia do movimento republicano na
Bahia, sempre justificado pelo argumento de que a Bahia foi a última província a
aderir ao novo regime ou de que, após o advento da república, os velhos
políticos do antigo regime se reposicionaram no poder. Segundo Brás do Amaral, o
primeiro clube republicano da Bahia foi inaugurado em 1876 e sofreu imediata
repressão do presidente da Província, mas, naquele mesmo ano, apresentou
candidatos às eleições municipais. Outros centros republicanos surgiam e
despareciam com certa efemeridade, a exemplo do Clube da Academia de Medicina da
Bahia e o Clube Republicano Federal, este último fundou o Partido Republicano
com publicação do seu primeiro manifesto em 1889. Houve, ainda, certa
movimentação republicana em cidades baianas, especialmente em Lençóis, Condeúba,
Feira de Santana, Caetité, Canavieiras e Cruz das Almas, com instalação dos
clubes republicanos no período de 1988 a 1989, sempre com a presença de
diplomados em cursos superiores.
APEB - O que pregavam os republicanos baianos?
CSG - Às vésperas da proclamação, já se podia apontar duas opções baianas quanto
à implantação da República: a “corrente exaltada” e a “corrente moderada”. A
primeira era formada por aqueles que desejavam a revolução que derrubaria a
Monarquia e toda a ordem de coisas existentes. A segunda acreditava na evolução,
confiantes no advento da República mediante a “educação das classes”, pela
emenda dos partidos monárquicos e regeneração dos homens. Deocleciano Ramos e
Clóvis Moreira lideravam os exaltados, e a moderada, Virgílio Lemos. Na Bahia,
se reproduzia o mesmo modelo político estabelecido no Congresso Federal
Republicano, dividido entre as lideranças de Silva Jardim e Quintino Bocaiuva.
APEB- Houve algum momento de acirramento entre os grupos no movimento
republicano na Bahia?
CSG - Em 15 de junho de 1889, aportaram, na Bahia, vindos do Rio de Janeiro, o
Conde D’Eu e Silva Jardim, e, desde a véspera, os republicanos se preparavam
para recepcionar o seu líder, com comícios, um no Terreiro e outro na Praça do
Palácio, tudo acompanhado de panfletagem, contrariando o príncipe. Os chefes
paroquiais do partido Liberal tomaram suas providências para impedir as
manifestações contra o Conde e convocaram certos grupos populares, cortadores de
baleias de Itapuã e Itaparica e carregadores do cais. Outro grupo liderado por
Macaco Beleza, partidário exaltado da monarquia, agrediu um grupo na Praça do
Palácio e apedrejou a redação do jornal A República Federal. Na recepção a Silva
Jardim, os republicanos foram atacados a pedradas e cacetadas, refugiando-se na
Faculdade de Medicina. O historiador Brás do Amaral relata outros ataques nos
dias 16, 17 e 18 de novembro de 1889, quando da implantação da República na
Bahia.
APEB - E como se deu a estratégia para a implantação da república na Bahia com
tantos revezes?
CSG -O Cel. Frederico Cristiano Buys, comandante do 16º Batalhão de Infantaria,
republicano convicto, sob instruções do Governo Provisório, articulou com
Virgílio Damásio e Deocleciano Ramos um plano. No Quartel do Forte de São Pedro,
às 18h do dia 16, soldados e oficiais abjuraram ao império, sob o comando do
Cel. Buys, e percorreram as ruas próximas ao quartel, saudando a república. Os
grupos divergentes se desfaziam e viam a impossibilidade de resistir. Contudo os
protestos de rua permaneciam, os bondes foram apedrejados, residências dos
estudantes de medicina foram assaltadas, invadiram tavernas, tudo sob a
liderança do Macaco Beleza. Na tarde de 17 de novembro, Virgílio Damásio, na
presença de estudantes e do Cel. Cristiano Buys, proclamou a República na Bahia.
Atendendo ao pedido de Rui Barbosa, Virgílio aceitou a nomeação interina até que
Manoel Vitorino tomasse posse em 23 de novembro. Com as adesões vindas das
várias localidades, a Bahia entrava na era republicana.
APEB - Qual era o povo que se unificou em prol de uma república na Bahia?
CSG - É lugar comum na historiografia afirmar que o povo nada teve a ver com a
proclamação da república. Aristides Lobo tem uma frase proverbial: “O povo
assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso sem entender o que aquilo
significava”, uma tendência que tenta alijar o povo do tema da República. Brás
Amaral evoca Aristides e afirma ser o povo “mudo e indiferente”. Em Muniz de
Aragão, o povo depositava “esperanças” na República, e Riddings diz que ele
compunha uma “massa negra e mestiça”, que, após 13 de maio, teria se tornado
fiel à Monarquia. Não parece correto avaliar os interesses do povo na República,
porque ele parecia “atônito” ou “mudo e indiferente”, mas significa reduzir a
história ao meramente episódico. O povo não participar das articulações do dia
15 de novembro, no Rio de Janeiro ou na proclamação do Forte de São Pedro, em
Salvador, consiste em eliminar, por simples eventos, toda a expectativa popular
diante de um projeto de liberalização e democratização do país.
* Cristiane Guimarães é procuradora baiana, vice-presidente da APEB e
historiadora formada pela UFBA.