Rápidas considerações sobre o Projeto de Lei 10.887/2018

A Lei Federal 8.429, de 2 de junho de 1992, também denominada de Lei de Improbidade Administrativa (LIA), dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, e que teriam resultado, somente no período de 2009 até 2018 em pelo menos 18,7 mil condenações.

 

Segundo o seu artigo 1º, os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, incluídos os indicados no seu parágrafo único, serão punidos na forma da lei.

 

Ocorreu que a Câmara dos Deputados no dia 16 do corrente mês e ano aprovou, com 408 votos favoráveis e 67 contrários, o projeto de lei nº 10.887/18, de 2018, resultado de uma comissão de juristas designada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), e coordenada pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ); texto-base que introduz mudanças na LIA, relatado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP).


Segundo o relatório do deputado Zarattini, o ministro Mauro Campbell teria seguido três premissas básicas na elaboração do projeto, a saber, incorporação ao projeto a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores na interpretação da LIA; compatibilização da lei com leis posteriores (novo CPC, Lei Anticorrupção e Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro (LINDB); e sugestão de novidades, novos institutos, novas premissas, que corrijam os pontos mais sensíveis da LIA.


Ainda se afirma que entre setembro e novembro de 2019 teriam sido realizadas catorze audiências públicas e três seminários em São Paulo, Porto Alegre e Recife, nos quais foram ouvidas mais de sessenta autoridades no assunto, tendo citado entre as principais alterações propostas as seguintes: improbidade administrativa exclusivamente por atos dolosos; previsão expressa acerca da aplicação da lei aos agentes políticos; escalonamento das sanções; previsão de legitimidade privativa do Ministério Público para a propositura da ação de improbidade; previsão de celebração de acordo de não persecução cível e regras mais claras acerca da prescrição em matéria de improbidade.


Pelo projeto serão revogados os artigos 4º, 5º, 6º, parágrafo único do artigo 7º, artigo 10-A, incisos III e IV do caput e parágrafo único do art. 12 e §§ 3º e 4º do artigo 13, da Lei de Improbidade Administrativa.


Serão também alterados ou inseridos 26 artigos ao diploma em vigor, sem contar os incisos e parágrafos correspondentes.


Em seu relatório o deputado Zarattini mencionou como justificativas para a aprovação do projeto em tela, o suposto fato de que a Lei em questão, na redação atual, gera insegurança aos gestores, necessitando de atualização.


Comenta-se que a Lei na redação atual gera ônus para o gestor público, na medida em que traz poucos parâmetros para a propositura das ações e as condenações são muito genéricas, gerando um desincentivo à ocupação dos cargos públicos e paralisia nas decisões públicas, o que é responsável pelo chamado apagão das canetas, daí que a mudança no seu texto importaria na melhoria da qualidade da administração pública.


É corrente, no entanto, a posição entre alguns membros do Ministério Público e de órgãos de controle, de que há uma tentativa de afrouxamento das regras, podendo gerar impunidade, pois o argumento da falta de segurança jurídica não passaria de disfarce para obter autorização formal a violações aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade.


A alteração considerada mais marcante é a que elimina a possibilidade de enquadramento da conduta no ilícito denominado improbidade administrativa, se não houver evidência de dolo, afastando assim a modalidade culposa.


O projeto introduz dispositivo que estabelece que o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa, e ainda, que a punição por improbidade administrativa só pode recair naquele que tiver a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9, 10 e 11, não bastando a voluntariedade do agente.


De fato, o Superior Tribunal de Justiça, consolidou a tese de que é indispensável a existência de dolo genérico nas condutas descritas nos artigos 9 e 11 e ao menos de culpa nas hipóteses do artigo 10, nos quais o dano ao erário precista ser comprovado.


Entende-se que o elemento subjetivo é essencial para a caracterização da improbidade administrativa, o qual está associado à noção de desonestidade ou má-fé do agente público, e apenas pela exceção ainda prevista no mencionado artigo 10 da Lei 8429, se admite a sua configuração por ato culposo (culpa grave), havendo quem defenda a inconstitucionalidade do dispositivo, considerando-se a gravidade das sanções previstas, à luz dos artigos 15, inciso V; 37, § 4º e 85, todos da Constituição Federal.
Até então o debate sobre se o dolo aplicável é o genérico ou o específico ainda reina entre os operadores do direito.


Assim sendo, numa análise ainda superficial do tema, pode-se afirmar que restringir o conceito de improbidade administrativa à hipótese em que se faça presente o dolo, não representará grande percalço ao controle das atividades públicas, já que eventual dano ocasionado por ato culposo ainda poderá render ensejo a sanções de outras naturezas (administrativa, civil e penal).


Um outro aspecto a ser destacado é o relativo à legitimidade exclusiva do Ministério Público para ajuizar as ações civis por ato de improbidade administrativa, o que no texto atual fora estendido aos entes públicos, afastando-se, deste modo, a atuação da advocacia pública.


Neste ponto já existe manifestação dos órgãos representativos da advocacia pública brasileira, contrária a tal possibilidade, tendo a ANAPE (Associação Nacional dos Procuradores de Estado) se reunido na quarta-feira, dia 16 de junho do corrente, e concluído que o PL representaria um grande retrocesso no combate à corrupção, na medida em que a Advocacia Pública perderia o direito de ingressar com ação civil por ato de improbidade.


Tratando-se de projeto de lei extenso, a análise ora feita, é de cunho superficial, não havendo adentrado a um estudo mais detalhado, no entanto, em linhas gerais é necessário pontuar que a gestão pública precisa ser proba e eficiente, e os relatórios das diversas auditorias expõem um quadro ainda perigoso, pois ainda se verificam inúmeros casos de corrupção e desvios, tudo com vistas ao enriquecimento ilícito, evidenciando danos ao erário, sendo caso de serem adotadas políticas e estratégias rígidas no seu combate.
Assim sendo é vital o acompanhamento do trâmite do projeto no Senado a fim de que eventuais erronias possam ser reparadas a tempo.

Walsimar dos Santos Brandão
Procurador do Estado