Eu e Raul, Raul e eu (Parafraseando Tim)

Título: Eu e Raul, Raul e eu (Parafraseando Tim)
Data: 14/06/2020

Gosto de rock desde os meus 12 anos de idade, quando morava no Bomfim e ouvi pela primeira vez aquele som embalado, com solos de guitarra bem legais. Amor a primeira vista.

É verdade que sou do tempo da jovem guarda, com Roberto Carlos e companhia, o que já era algo meio que inspirado em Elvis e aquela galera toda e certamente ajudou nesta minha opção musical.

Ouvia rock na casa de amigos e no Clube dos Oficiais, especialmente com Beto meu parceiro inseparável, irmão de um bigodudo que esqueci o nome e me chamava de pé de cocô. Mas isso é uma outra conversa para depois.

Eu adorava morar naquela região. Tempo de muita liberdade, de jogar muita bola na rua e tomar banho de piscina até 10 da noite. Muito legal mesmo esse tipo de infância que não mais existe.

Uma noite qualquer fui com meu pai jantar na casa de Gerard Levi, um engenheiro alemão que trabalhava com ele na Durão - uma loja de rolamentos, marido de uma russa baixinha e de cara sempre alegre que o chamava de Sr. Levi.

Eles moravam na Graça, um bairro que eu tinha ido somente uma vez aos 9 anos ver a Taça Brasil de Juvenil, no campo da Graça, com minha tia Noélia, num sábado chuvoso em que jogaram o Bahia, Santos e Flamengo.

O jantar foi um filé mingnon bem gostoso. Saímos por volta das 11 horas e andamos até o Corredor da Vitória para pegar um taxi, pois naquele tempo, anos 70, a Graça era um bairro estritamente residencial, com belas casas e pouquíssimos edifícios de apartamento, como falava minha mãe, e eu sempre implicava com isso porque, eu dizia, - edifícios são sempre de apartamentos, mãe! e ela dizia que não, pois existiam os de salas comerciais e consultórios, mas isso nunca me convenceu àquela época.

Lembro que fiquei maravilhado com o lugar. Lindo de morrer. A Euclides da Cunha, o Largo da Graça, depois a Rua da Graça. Simplesmente o lugar mais bonito que havia visto até então.

Eu disse: pai, a gente pode morar aqui? E ele disse: meu filho, aqui é lugar de rico. Que pena, pensei.

Passa o tempo, eu com 14, e meu pai chega um dia, quer dizer, uma noite, e nos dá uma notícia: vamos morar na Graça. Porra! Pensei. Que legal! Gritei de alegria. E logo no dia seguinte, eu acho, fomos ver o apartamento.

Ficava no 7º andar do Edf. Nossa Senhora das Graças, nº 51, na Av. Euclides da Cunha. Apartamento de frente para o Campo da Graça, aquele mesmo que tinha ido tempos atrás e que agora eu poderia ver os jogos de futebol da minha janela. Uau!!!

Quando nos mudamos, no dia 1º de julho de 1974, foi um dos dias mais felizes da minha vida. Comemos sanduiche misto feito com vara de pão da Padaria Rio Branco que ficava na esquina. O pão mais delicioso do mundo que eu já havia experimentado.

A vida ficou mais colorida desde então. Eu adorava ficar na janela do 7º andar olhando o movimento na rua, que não era tão intenso quanto hoje, já que era um bairro estritamente residencial.

Na Graça meu interesse por rock aumentou bastante. Ouvia Beattles, Pink Floyd e umas bandas mais pesadas já que foi o tempo do hard rock. Também ouvia The Who e Rick Wakman e seu som experimental maravilhoso. Viagem ao Centro da Terra era espetacular.

Dos brasucas eu era fã do maluco beleza e adorava ouvir Gita. Uma das 10 melhores músicas na minha playlist até hoje.

Um belo dia, descendo o elevador, quando abri a porta no térreo estava um senhor com a cara de Raul, só que mais velho, claro. Tomei um susto e então fiquei sabendo que os pais dele moravam no 4º andar.

O Sr. Raul pai era um sujeito enfezado, caladão, enquanto a mãe, cujo nome me esqueci, era um doce de pessoa e adorava brincar com Tita, minha caçula, que era a coisa mais lindinha que eu tinha visto na minha vida. Uma verdadeira princesa.

Então aconteceu o inesperado. Um sábado por volta da 1 da tarde eu voltei da rua com Tita. Ela tinha uns 6 anos e eu 16, eu acho. Estávamos esperando o elevador, e quando entramos senti que estava chegando uma pessoa apressada para segurar a porta que se fechava. Não acreditei: era Raul, o filho de Raul pai e da mãe que não lembro o nome.

Ray-ban clássico, camisa de manga aberta, calça jeans, cintão e bota de caubói. Deu um sorriso amarelo e passou a mão na cabeça de Tita. Eu fiquei com uma cara de palerma, boquiaberto, olhando o cara, e não dei uma palavra sequer. Paralisia mental completa. Perda de uma chance.

Abriu a porta do 4º andar e saiu com aquela eterna cara de ressaca com um sorriso de canto e os olhos “sem colírio” (por isso os óculos escuros, pensei) mirando o chão, acho que para não errar o passo. Sei lá!

Entrei em casa gritando, mãe!!!!!! vi Raul Seixas no elevador!!!! E ela, que besteira menino, seu Raul mora aqui no prédio, vejo ele toda hora, deixa de gritaria. Eu disse, não mãe!!! Era ele, o cantor, Raul Seixas!!!! Ela, deixa de bobagem, só um cantor de bosta, e caiu na gargalhada.

Pela primeira vez na vida tinha visto alguém tão importante e por isso fiquei pirado. Então, minutos depois, toca a campainha, era a empregada de Seu Raul, o pai, dizendo que a mãe de Raul, o filho, cujo nome ainda não me lembrei, estava chamando Tita para Raul, o ídolo, dar um autógrafo.

Quase desmaio de susto! Inacreditável! Peguei o compacto de Gita – naquele tempo existia uma coisa chamada disco de vinil, uma bolacha redonda e preta que tocava numa outra coisa chamada radiola – e desci as escadas com Tita e bati na porta do 401.

Não lembro quem abriu a porta, mas lembro que somente Tita entrou e eu fiquei parado com minha cara de babaca ao invés de entrar e aproveitar aqueles poucos momentos com o cara.

Lembro da assinatura dele no disco o qual não sei qual foi o paradeiro. Perdemos uma relíquia daquelas.....

Era época de Natal e aquele foi o meu presente verdadeiro.

Depois disso, uma ou duas vezes me encontrei com ele no prédio, disse oi, somente, e não passou mais do que isso. Ele raramente ia visitar os pais.

Já nos anos 80, estava no Rio e fui no Morro da Urca ver o show dele. Lugar lotado e nada de começar a apresentação. Lá pelas tantas ele aparece, visivelmente doidão, rindo aquele sorriso de canto, o mesmo do elevador, e começou a cantar aquelas músicas maravilhosas que jamais serão repetidas, pois momentos de genialidade raramente se reproduzem na humanidade como aqueles.

Então, ele parou de tocar no meio de uma música, ficou paradão olhando a moçada e então perguntou no microfone: rapaziada, alguém tem um baseado aí? Foi uma explosão de palmas e assovios, seguida de uma chuva de cigarrinhos em direção ao palco. Ele se agachou, pegou um acendeu e disse rindo desta vez: porra, esse é dos bons! E continuou o show para delírio de todos que assistiram uma obra prima da nossa geração.

Se esta história é engraçada ou não, não sei. Só sei que foi uma experiência de vida rara e cujas lembranças guardo para sempre na minha mente. O Bomfim, o jantar na casa de Levi, a Graça, a mudança de vida e o meu vizinho famoso que até hoje me emociona com suas músicas únicas e inspiradoras.

Eu e Raul, Raul e eu. Fim


(René Ribeiro, Procurador do Estado)